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segunda-feira, 10 de julho de 2017

Bourne Again - a identidade Bourne e o Reino de Deus



Esses dias atrás assisti um filme interessante - um homem é encontrado em meio a uma tempestade, boiando à deriva, e é resgatado por um barco de pesca. Ele não sabe onde está, o que está fazendo ali, e não lembra mais seu nome. Porém estranhamente ele descobre ser capaz de atirar com precisão, entende vários idiomas, e sabe se defender de ameaças com golpes e movimentos precisos e letais. No fim, ele se descobre um super espião (ou agente secreto) cuja memória foi apagada propositalmente. E claro, como todo filme feito para o público masculino, ele é bom com armas, carros, aviões, tem muito dinheiro na Suíça e mulheres lindas sob seu charme de espião.



Há menos tempo outro filme similar porém mais futurista também foi bom de ver - Ghost In the Shell, onde a policial Major não se lembra direito de seu passado, e vive seus dias resolvendo as missões e crimes de cada dia. A única coisa que ela sabe é que foi salva durante um atentado, que mais adiante descobrirá ser uma memória sugerida, falsa, bloqueada no fundo de sua mente.

O que essas histórias tem em comum? Personagens que não sabem quem são, acordam num mundo que já não é mais seu. Personagens cuja identidade foi perdida, ocultada, e perceberam que tudo aquilo que tinham foi enganosamente implantado como realidade.

A identidade deles se foi - seja por desilusão, seja por sabotagem - e com isso, tudo aquilo que valorizavam foi esvaziado, esmaecido, perdeu seu sentido. Todos ficaram desorientados, aflitos, deprimidos, pois para onde vão? quais escolhas farão? qual é o valor que as coisas ao redor tem para eles, e qual o valor que eles mesmos se dão? Todas as suas referências eram falsas, e quando estavam todas juntas, pareciam reais.

Suas histórias de vida, suas experiências aprendidas, seus familiares, heranças culturais, seus gostos pessoais, seus sonhos e seus fracassos - tudo isso lhes dava um eixo ao redor do qual podiam dar valor (negativo ou positivo) às coisas, tomar decisões diárias, e principalmente, interpretar as coisas que aconteciam com ela ou ao redor delas.
A esse eixo no ser humano, a filosofia chama de axis mundi, ou 'o eixo de experiências e valores adquiridos ao redor do qual posicionamos nossas novas experiências, damos significado às coisas e aos eventos, e definimos tudo ao redor, até nós mesmos'.

As estórias de Jason Bourne e de Major são iniciados por algo que acontece também no universo cristão - eles nasceram de novo. Passaram a existir em um novo contexto no qual não sabem nada de si, e descobrem uma nova dinâmica ao redor.

Todos estavam vivendo ansiosos e deslocados. Acordando e dormindo angustiados com algo que incomodava de dentro pra fora minando sua alegria e fé nas coisas.

E eu convido você a pensar comigo em alguns paralelos muito interessantes entre Bourne, Major e o cristão de coração tocado por Jesus.

1) Todos eles acordam de uma realidade anterior, para uma nova, com novos significados, novos aliados, novos inimigos e novas narrativas.

É inegável que as coisas passam a ser diferentes. Você não é mais quem achava que era. Tudo é re-significado. Bourne descobre que é perseguido por espiões e agentes duplos. Pessoas que jamais imaginaria serem suas inimigas. O cristão descobre também que tem novos inimigos - sendo sua própria natureza a mais implacável, tentando derrubá-lo dia e noite - e o diabo, que interage com a sociedade humana para fomentar a natureza caída de cada um, para matar, roubar e destruir tantos quantos ele puder. Aos seus ele provê caminhos de autodestruição prazerosa e irresistível. Aos do time adversário, de Cristo, ele ronda o tempo todo como um leão, esperando alguém tropeçar para acusar, envergonhar e corromper.

O recém-acordado agente secreto descobre também que nem tudo que parece, de fato é. Casas aconchegantes podem ser redutos de terroristas, e padarias ingênuas podem esconder laboratórios de armas potentes. O cristão também descobre que certos lugares não são mais o que pareciam: escondem armadilhas de seus inimigos (sua carne, e o diabo) que antes não eram visíveis. Todo lugar onde o vício é limitado apenas pelo próprio viciado, onde o prazer é um fim em si mesmo sem censura, e todo lugar onde a natureza humana caída é incentivada de maneira empolgada - pode ser agora o último episódio da sua busca por santidade (se parecer cada vez mais com Cristo, seu mestre e salvador).

Antigos aliados agora são descobertos como traidores escondidos. Aquilo que eu achava delicioso podia muito bem ser o veneno diário para minha destruição. Isso vale para Jason Bourne, e vale para o cristão. O consumo da bebida preferida do agente secreto podia ser exatamente o que mantinha sua identidade esquecida. E não é assim também com o consumo de pornografia, de porres de bebida ou de exercícios diários de hipocrisia - um comportamento na igreja aos domingos, outro nos 6 dias restantes? isso não mantém o cristão esquecido e afastado de sua identidade real?

Novas narrativas também entram em cena - se antes o ser humano é apenas mais um macaco evoluído, resultado de um acaso cósmico de química, lutando pra pagar todos os boletos do mês, negando seus instintos em prol de uma certa civilização - então me desculpe, a narrativa do Reino é bem mais bela. Você passa a fazer parte de um plano maior, onde o objetivo não é te fazer feliz o tempo todo, mas te moldar pra que você pareça cada vez mais com Cristo e conheça a natureza de Deus a cada dia mais.

2) Eles ganham uma nova identidade, um novo nome, uma nova distinção

Jason desobre que era Jason. Major descobre se chamar Motoko. E cada um dos cristãos descobre que é único perante Deus, e que Ele tem um nome especial para dar. Em Apocalipse 2:17, é dito que Deus tem uma pedra branca com um novo nome para seus filhos, o qual ninguém mais sabe e ninguém mais tem.

Na Roma antiga, aqueles que seguiam aos ensinamentos de Cristo foram chamados a partir de seu mestre: 'cristãos'.
Antes disso, havia um povo chamado hebreu, que foi escolhido pelo Deus único e criador para ser chamado pelo Seu nome: Israel. A famosa promessa de Deus através do profeta Isaías diz isso: "se esse povo, que se chama pelo meu nome..." e "Pertenço ao Senhor; outro chamará a si mesmo pelo nome de Jacó; ainda outro escreverá em sua mão: "Do Senhor", e tomará para si o nome Israel (Isaías 44:5).

Até então, Jason e Motoko eram definidos e referenciados pelos demais pelos nomes que lhes foram dados por outros. Quem é você na sociedade? você é sua impressão digital, única. Você é seu DNA, seu código genético. No exército, muitos são chamados por uma numeração. Todas características centradas no indivíduo.

O cristão, ao contrário, tem sua identidade baseada fora de si mesmo - em Cristo.
Ele é parte do Corpo de Cristo - a igreja, um corpo no qual Jesus é a cabeça.
Ele descobre que dentro dele passou a viver algo novo e santo - o espírito de Deus, e descobre que seu objetivo é que Cristo cresça cada vez mais de dentro pra fora nele.
Ele descobre que ao invés de tentar descobrir quem ele é, ele tem a missão de uma vida toda para descobrir quem Cristo foi e é.
Se antes seu DNA o identificava, agora o cristão valoriza o DNA do sangue do Cordeiro imolado na Cruz - sua identidade está no Sangue sobre sua cabeça e não sob suas veias.

3) As estruturas mudaram

Vários outros personagens de cinema - entre eles Truman, do Show de Truman (com Jim Carrey), descobrem nesse tipo de trama que, como Bourne e Major, os parentes, pais, irmãos e filhos podem não ser de verdade, sendo muitas vezes atores contratados para mantê-los na rotina sem questionar.

No Reino de Deus, na nova vida em Cristo, o cristão descobre que não há mais parentes, irmãos, pais e filhos. Agora a estrutura mudou - há um Pai, há o irmão mais velho unigênito do Pai (Jesus) e uma multidão de irmãos e irmãs, de mais idade ou menos idade, capazes de abençoar sua vida e de serem abençoados por ela. Todos eles adotados pela Graça do Pai dessa nova família.

4) Ganharam habilidades únicas e especiais



Jason Bourne descobre que é capaz de atirar com precisão nos bandidos, e imobilizar seus adversários com golpes de artes marciais avançadas. Descobre que fala diversas línguas e consegue sair de situações desesperadoras com seus conhecimentos.
Major consegue se camuflar termicamente, ficar invisível, tem super força e não precisa comer ou dormir. Todas essas são habilidades essenciais para que esses personagens sobrevivam no novo mundo em que despertaram.

O cristão também acorda num mundo novo, com novas ameaças, novas dinâmicas, e também descobre com o tempo que tem habilidades especiais. Dons dados pelo próprio Deus, aflorados de dentro pra fora pelo Espírito Santo de Deus que habita cada cristão, e que esses dons o ajudarão a sobreviver e atingir seus novos objetivos nessa nova realidade chamada Reino de Deus. Em 1Cor 12 há uma lista de capacidades excepcionais dadas pelo Espírito aos cristãos. Entre eles, o mais importante de todos: o amor.
De todas as línguas que Jason Bourne poderia aprender, nenhuma é mais importante que aquela cujo aprendizado é vital no Reino e para o Reino, o amor (1Cor 13).

Descobrem que certos 'talentos' que tinham antes são na verdade vergonha (Efésios cap 5 e Gálatas cap 5). E que outros talentos são bons, não nascem conosco, mas são dados por Deus para essa nova realidade (Gálatas 5).

As habilidades antes eram para meu próprio proveito como indivíduo. No Reino, o cristão tem seus dons para melhorar a vida do próximo, ser veículo de Graça, ser 'office boy' de bençãos a todos.

5) Trocaram o seu axis mundi

Aqui vem o tema central e o cerne, o miolo do paralelo entre Jason Bourne e o cristão no reino de Deus.
Perceba que tanto Bourne, como Major, quanto o cristão tocado e comprometido com o Reino, todos os três tiveram o eixo de seu mundo trocado. Seu axis mundi mudou.
Se antigamente para Jason um dia maravilhoso seria um passeio no parque e um bom jantar, agora consciente de sua real identidade, seu dia perfeito é não ser morto por ninguém nem explodir a si mesmo numa missão.

Os valores mudam. As prioridades mudam. Aquilo que era o máximo vira irrelevante do dia pra noite. Aquilo que era tedioso e dispensável agora se torna precioso e defendido com unhas e dentes. Quando o axis mundi muda, todo o resto ao redor dele muda de significado, importância, valor. Como uma árvore de natal, cujos penduricalhos estão ao redor de um tronco.

Saulo se achava 'a última bolacha do pacote'. Alguém admirável. Hebreu de hebreus, quanto a lei fariseu, quanto ao sangue, benjamita. circuncidado ao oitavo dia (Filipenses 3:5,6), instruído aos pés de Gamaliel (Atos 22). Essa era a identidade de Saulo. A vida dos cristãos ao seu redor não valia nada, era um insulto, e desde moço ele os perseguia (veja o apredejamento de Estevão em Atos 7).

Logo após um encontro real com Jesus, ele ganha uma nova identidade: Paulo, seguidor de Cristo, que trocou de axis mundi, para agora considerar tudo aquilo que antes era orgulho, em uma grande perda de tempo (Filipenses 3:7,8).

Um dos grandes dramas do nosso século XXI é que o homem comum tem seu axis mundi em si mesmo, tem seu eixo de mundo formado por seus gostos, experiências, cultura, tendências, sensações e tudo que ele absorveu ou aprendeu do ambiente. E isso é ruim.

Um axis mundi centrado no eu e nas coisas que compõem o meu eu, criam um axis mundi frágil, inconstante e mole - pois você há de convir, quantas vezes ao longo da vida, do ano, da semana ou até mesmo do dia, nós temos mudanças de humor, de sensação, de desejo ou de entendimento? Inúmeras.

Um axis mundi mole e inconstante se traduz em insegurança, pois eu sei que não posso pendurar coisas sólidas e importantes em algo que eu não sinta firmeza. E insegurança me leva à ansiedade, pois o valor que eu dou às coisas, o sentido que eu atribuo às coisas que me acontecem na vida, todas elas estão penduradas em um eixo cuja força depende das minhas convicções, sensações, humor, traumas, frustrações e armadilhas de ego. Ou seja, lá no fundo eu sei que a qualquer instante tudo isso pode vir abaixo. O que eu amo hoje pode não ser suportável amanhã. E mais e mais gente amanhece ou vai dormir com essa sensação cada vez maior de que certas coisas na sua vida (e a vida como um todo) não está fazendo mais sentido, Que nada supre sua vontade. Quando ela acha que encontrou um sentido pras coisas, descobre que estava apenas empolgada. Ou que estava se enganando por medo ou orgulho.

Essa é a ansiedade do mundo líquido, da pós-modernidade de Bauman, do presente século onde 'tudo é relativo', 'tudo depende' e as verdades são passageiras ou então valem apenas para quem quer acreditar nelas. E fica óbvio porque existe essa ansiedade: o eixo da existência das pessoas está nelas mesmas, falhas, inconstantes e no fundo elas descobrem que elas mesmas produziam sentido para aquilo que achavam ser seguro.

O cristão goza de uma situação diferente. Ele ganha um axis mundi fora de si mesmo, ele passa a existir em Cristo, para Cristo. É a partir Dele que todo o resto é significado e valorizado. E como Ele não muda, a certeza das coisas e o sentido de cada coisa da vida passa a não depender mais do meu humor, dos traumas e fracassos que tive, nem dos orgulhos e aspirações que tracei pra mim mesmo. Veja Atos 17:28 - "Nele (Cristo) nos movemos e Nele existimos".e Romanos cap 11:36, "porque Dele, para Ele e por Ele são todas as coisas eternamente".

Num axis mundi em Cristo, a insegurança dá lugar à paz, mas uma paz que não depende da ausência de guerras/conflitos. Uma paz que não está ancorada no meu eu, nos meus achismos e sensações, nem nas minhas previsões furadas. Mas sim uma paz ancorada fora de mim, no meu axis mundi Cristo.

E um novo axis mundi implica em novas escolhas, novas prioridades, preferir certos valores a outros, pois as minhas referências orbitam um novo eixo, Cristo. Eu escolhi aquilo que fortalece o Reino de Deus, e não a mim mesmo ou minhas sedes humanas.

A história da Humanidade é toda descrita pela Teologia Bíblica pela mesma narrativa que atinge o macro (a raça humana) e o micro (o homem indivíduo). A Humanidade cai no Éden e essa natureza caída se perpetua. A humanidade deixa de clamar a Deus e se volta para si mesma e seus prazeres e disputas. Perdem sua identidade como filhos de Deus, e deixam de conhecê-Lo, adorá-Lo e começam a se autoconsumir no pecado, na sede insaciável de qualquer coisa, tão presente no ser humano.
Então Deus na sua Graça toma a iniciativa e se faz presente, visível, e creio eu, deixou na aflição e na ansiedade pós-moderna a trilha de migalhas que leva ao real significado de tudo e à nova (e verdadeira) identidade.

O vazio epistemiológico (ou seja, o vazio de sentido da vida) é um bilhete dourado para sair do mundo de hoje, e acordar em um novo mundo, num axis mundi sólido e pacífico.

Convite Final



A figura é cliché, mas o que não é depois de tantos anos de internet?

Então eu convido você que ainda acha que tudo gira ao seu redor e ao redor das suas preferências, que sua identidade está provavelmente furada.
Você é mais do que se vê. É menos do que se achava. É amado por Deus, é objeto de um plano maior, de um propósito e história únicos num mundo novo chamado Reino de Deus, num novo axis mundi que tem solidez, amor e paz. Essa ansiedade é o coelho branco da Alice, é a pílula vermelha de Matrix, para que você possa sair do sono e acordar com uma nova vida, e com um nome secreto e que Deus pensou só pra você.