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domingo, 28 de junho de 2020

Os verbos importam

Os verbos importam

Verbos indicam ação, movimento, atitude. Algo feito por alguém internamente (como sentir, desejar, amar ou odiar) ou externamente (pegar algo, sentar-se, etc).  Aprendemos a conjugar estes verbos na escola, nos cursos de idioma, nas velhas tabelas:



Nossas ações, os verbos que tomamos interna e externamente, são muito importantes. No Reino de Deus, somos chamados a prestar atenção no que fazemos (externo) e no que pensamos, nutrimos por dentro (interno). E antes de tudo, somos convocados a viver em verdade - aquilo que está interno, seja refletido externamente. Que o nosso "Sim" seja verdadeiro, autêntico, tanto quanto nosso "Não". Sem hipocrisia. Aliás, hipocrisia significa em grego "uma decisão/escolha escondida", também fazendo menção aos atores gregos, que usavam máscaras durante a encenação.



O verbo atribui ou reflete aquilo que o sujeito da frase é

Jesus é o salvador porque ele nos salvou.
Aquele que mata, é assassino, homicida. 
O mentiroso é assim chamado porque mente.
Só é seguidor quem tem sua vida focada em SEGUIR a Jesus.

Deus o Pai é definido muitas vezes usando-se de verbos (em hebraico): Jeová Jirê (o que provê), Jeová Rafá (o que cura), Jeová Shalom (o que dá a paz), Jeová Macadeshem (o que santifica).

Jesus é citado por João em seu evangelho, como O Verbo. O Verbo se fez carne e habitou entre nós. Aqui João está focado em apresentar o evangelho em uma linguagem que combatesse a seita dos gnósticos. Quando ele usa o Verbo, em grego ele usa o Lógos, que de maneira muito simplificada, é um conceito da filosofia grega antiga, que significa o princípio último, criador a partir do qual o universo foi feito e todas as coisas são derivadas. Esse assunto é longo, rico, e aprofundá-lo não é o foco neste artigo.

Quando olhamos os registros bíblicos, sempre buscamos ver as atitudes dos sujeitos narrados ali. O que disseram, fizeram, e assim temos uma referência para nossa reflexão. Somando-se a isso o fato de Jesus ser O Verbo, proponho darmos uma olhada nos verbos praticados por aqueles que estavam com Deus, e os verbos daqueles antagonistas relatados na Bíblia.

Em 2 Cr 7:14, Deus estabelece uma aliança de verbos com seu povo, conversando com Salomão. Ele exige que seu povo sempre busque :
  • Se ARREPENDER
  • Se HUMILHAR
  • ABANDONAR seus pecados
  • ORAR
Então Ele o Senhor irá reagir com seus verbos. Ele irá:
  • OUVIR (as orações)
  • PERDOAR
  • SARAR (a terra)
Em adendo a estes verbos, em outros trechos aparecem outros verbos associados aos que temem a Deus e seguem a Cristo:
  • Suportar (a aflição, a injustiça, a perseguição)
  • Dar suporte (ao próximo, aos inimigos, a quem é vulnerável)
  • Perseverar (na fé, apesar dos sofrimentos)
  • Obedecer
  • Atentar-se (a si mesmo e aos demais ao seu redor)
  • Cuidar
  • Socorrer (física ou materialmente) alguém
  • Admoestar
  • Exortar (com respeito e carinho, como a um familiar querido)
  • Denunciar (o pecado, a injustiça, o erro, a fim de livrar alguém da morte)
  • Interceder
  • Confessar (a Deus e uns aos outros como irmãos)
  • Negar-se (a si mesmo)
  • Temer (a Deus)
  • Confiar (em Deus)
  • Pregar, compartilhar o evangelho
E o mais importante de todos: AMAR (a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo como a mim mesmo), o verbo essencial (1 Co 13).

De semelhante modo, existem vários verbos que estão intimamente ligados com os inimigos de Deus, ou com pessoas que Deus condena ao longo da história bíblica. São ligados a uma outra natureza, que não é promotora do Reino de Deus.
  • Matar
  • Roubar
  • Destruir (Jo 10:10)
  • Acusar (o diabo é o grande acusador, Ap 12:10) Zc 3:1
  • Enganar
  • Disfarçar-se de bom, sendo mau (2 Co 11:14)
  • Mentir ou dar falso testemunho (Jo 8:44)
  • Pecar (1Jo 3:8, e Ef 4:26-27)
  • Ameaçar, fazendo tocaia, cerco, terror (1Pe 5:8-9)
  • Induzir alguém ao erro/pecado - Mt 18:6,7
  • Trair ou induzir alguém a trair (Jo 13:2)
  • Tentar, provocar (alguém) - Mt 4:1
  • Incendiar (pessoas, nações) em revolta - Ef 6:16
  • Revoltar-se (contra as autoridades, criar revoltas) - o diabo foi o primeiro revolucionário, levando consigo 1/3 dos anjos rebeldes.
  • Agredir (usar da violência)
  • Humilhar (o outro, não a si mesmo)
  • Orgulhar-se, envaidecer
  • Odiar (pois quem odeia é assassino - 1Jo 3:15)
Veja que nenhum destes verbos consegue ser associado à pessoa de Jesus, ao seu coração manso e simples. Juntando todos esses verbos, temos uma pessoa que mais parece um animal selvagem, perigoso e indomável, mortal. Aliás, muitos deles são abertamente associados com o Diabo, como matar, roubar, destruir, mentir, acusar.

Sendo assim, nós os cristãos, temos que manter nossa vida sendo movida, agitada pelos verbos da primeira lista, e não desta última, fugindo de quaisquer convites ou propostas que os contenham.

Pare, e pense sobre os frutos das suas ações, das bandeiras que você defende, das atitudes que você tem influência - elas produzem morte, destruição, difamação, roubo, agressão, revolta, depredação, ódio? ou todas estas coisas estão camufladas sob o aspecto de um "anjo de luz", como se estas fossem "consequências indesejadas" de uma causa nobre?

Mesmo dentro das igrejas essa lista pode ser diabolicamente camuflada, como desde os tempos de Jesus já o era. Ministérios que louvam, mas matam, difamam, traem, humilham os membros. Há sepulcros caiados, verdadeiros diabos travestidos de anjos de luz pelas igrejas mundo afora, gerando dor, má fama para o Reino e criando uma massa de "desigrejados" machucados pela própria comunidade que devia curar. 

Mas e a motivação do verbo, entra onde?

Nos registros bíblicos, vemos que a motivação (os verbos internos, que revelam a verdadeira intenção) são primordiais para avaliar o que se mostra por fora (os verbos externos, visíveis).

Vemos que até mesmo um verbo da "lista boa" pode acabar sendo mau, quando na verdade internamente o resultado esperado é outro.

Um fariseu orando em voz alta, é denunciado por Jesus como alguém que não esperava ser ouvido por Deus, mas pelos homens. Jesus diz que esse fariseu já recebeu o que queria (atenção e prestígio dos outros, como se ele fosse muito devoto). O mesmo se dá quando o religioso dá esmolas publicamente. 
Jesus denuncia também os religiosos que "consagram coisas a Deus" ao invés de ajudar seus próprios pais. Dão dízimo até das ervas mas se esquecem do pobre.

Uma ação "boa" externamente, com a motivação interna ruim, ou dissociada de um interior santificado, é reprovada por Deus, tornando a pessoa em um "sepulcro caiado", um túmulo que por fora é branco como se pintado por cal, mas por dentro é podre, sujo.

Obviamente que uma ação ruim é ruim em qualquer caso, independentemente da motivação, pois "é do coração que procedem todas as maldades" (Mt 15:19, Mc 7:21).

O mesmo vale para as não-ações. Abster-se de uma ação externa não significa estar correto diante de Deus. Não trair fisicamente, mas olhar com desejo, é exposto por Jesus como sendo a mesma coisa, apenas terá consequências diferentes aos envolvidos. Não matar mas odiar uma figura ou pessoa, é o equivalente de homicídio para Deus, a diferença está apenas na lei dos homens.

Assim como deixar de fazer o bem é contado como pecador (Tg 4:17).

Nossos verbos contam muito, e somos convidados a conjugar o Reino de Deus onde quer que estejamos, para que o mundo possa por alguns minutos de convivência, enxergar um pouco dO Verbo, e irem atrás da Verdade.




quinta-feira, 18 de junho de 2020

O cristão e a violência


O cristão pode ter atitudes violentas?



Essa é uma pergunta que surge nos dias tumultuados que vivemos. Primeiro, se você não viu ainda, dê uma olhada no post sobre O cidadão Cristão no mundo.

Nós somos diariamente convocados para a violência pelo nosso entorno. A mídia, os filmes, os jornais, há uma glorificação constante da agressividade.

Há situações em que somos incitados a agir de forma violenta, seja por uma reação natural do nosso ser caído, ou por termos aprendido que é uma resposta válida e "natural". Porém a Bíblia nos ensina que aquilo que consideramos reação "natural" humana, é a maioria das vezes fonte de pecado e não uma fonte de virtude.

Do nosso post anterior podemos tirar algumas lições previamente conversadas: o cristão deve buscar estar em paz com todos, ser educado e respeitar as pessoas, sendo agradável e operar dentro da lei, respeitando as autoridades.

Obviamente esse perfil não comporta atitudes violentas e bárbaras, mas mesmo assim deixei esse aspecto para um estudo separado aqui. Lembrando que violência não é só física mas também verbal, é agressividade no ser. Tem casais que nunca encostaram a mão violentamente um no outro, mas se corroem e se envenenam com atitudes agressivas e falas ácidas. Estão matando um ao outro, enquanto matam a si mesmos por dentro.

Como exemplo, temos também pessoas "cristãs", espiritualizadas, tanto o "cidadão de bem" como o "desconstruído" se manifestando publicamente em redes sociais com posturas que pouco combinam com Jesus, embora ambas o utilizem para se justificarem.


Compilado de versículos

Nossos tempos são difíceis e faz tempo que os tempos são assim, desde Paulo:


No fim dos tempos haverá tempos difíceis - muitos serão egoístas, avarentos, orgulhosos, xingadores, ingratos, desobedientes, sem respeito pela religião, sem amor mútuo, duros, caluniadores, incapazes de se controlarem, violentos e inimigos do bem. Serão traidores, atrevidos e cheios de orgulho por isso. Vai haver até aqueles que parecem cristãos mas não são de verdade, mas usam disso para realizar seus desejos e ambições. Não devemos imitar esse tipo de gente, se formos cristãos.
Vamos fazer como no post sobre cidadania cristã, e compilar aquilo que é dito na bíblia, em especial no NT, Salmos, provérbios e eclesiastes. Todas as referências estarão aqui para você mesmo montar o quebra-cabeça verso a verso.

2 Tm 2:23-25; 2 Tm 3:1-5; Rm 12; Rm 13; Ef 5:22-32; Pv 27:4; Sl 59:6,14; 1 Ts 2:14; Sl 64:3-6; Pv 1:11-19; Pv 10:23; Sl 11:5; Sl 2:1-2; 1 Pe 2:11-18; 1 Pe 4:10:15; 1 Co 14:33; Pv 20:3; Pv 20:22; Pv 15:1; Pv 22:24-25, Pv 24:2, 11-12, 29; Pv 25:21; Pv 30:10, Pv 25:9, Pv 26:20; Pv 26:18-19; Sl 73; Sl 17:4; Sl 62:10; Sl 35 ; Sl 37; Jó 1:15


  • Ficar longe das discussões, pois acabam sempre em briga. O cristão não deve andar brigando, mas tratar a todos com educação, ser paciente, e corrigir com delicadeza aqueles que são contra ele, tratar com respeito o contraditório. Qualquer idiota pode começar uma briga, mas o sábio, o que teme a Deus é elogiado por se desviar e evitar as brigas.
  • Abandonar a prática de xingamentos, gritarias, insultos, acessos de raiva, inimizades, palavras destrutivas, de ódio mútuo.
  • Não nos vingarmos de ninguém, nem retribuir o mal com o mal. Paguem o mal com bem, deixando a violência e a vergonha toda do lado inimigo. A vingança e a retribuição dos maus é um direito de Deus o Senhor, não nossa. Não somos justos para nos fazer de flagelo de Deus.
  • Apesar de ser uma reação "natural" humana, não devemos cultivar a raiva, nem se deixar dominar por ela, ou deixar que ela produza através de nós pecado, para não dar chance ao Diabo nem entristecer o Espírito Santo que habita em nós. Pois a raiva humana não é capaz de produzir o que agrada a Deus, não é capaz de operar justiça de Deus. Pois o ódio é cruel e destruidor. Logo acessos de raiva não são capazes de construir.
  • Temos a honra de dar testemunho vivo e não podemos trazer desconfiança ao evangelho por mau comportamento. Se sofrermos, que seja por fazer o bem, e não por sermos assassinos, ladrões, criminosos ou se meter na vida dos outros.
  • Não devemos viver nas sombras, às escondidas, nossas ações são da luz e para serem vistas por todos à luz do dia. Nós assumimos o que falamos de cara limpa, mesmo que isso implique em perseguição política ou social por sermos cristãos. 
  • Portanto não devemos participar de ajuntamentos secretos, grupos que planejam atacar esse ou aquele, tramam armadilhas, planejam revoluções, assassinam reputações com difamações e calúnias. Grupos que saem pela cidade nos momentos vulneráveis, espumando e cercando, gritando xingamentos e ameaças, como cães raivosos, buscando o que devorar. Essas pessoas fazem isso achando que estão anônimas, que ninguém está vendo e que seus crimes serão impunes.

    • Esses grupos levam o terror, e o terror é próprio dos maus. E o Senhor abomina os maus, detesta aqueles que gostam da violência, o ódio brota daquilo que eles planejam. Eles semeiam a confusão e nosso Deus não é Deus de confusão e sim de paz. Os revoltosos estão sempre criando problemas, os que gostam de brigas, os que tramam revoluções, os que se cobrem e protegem com violência, confiam nela, porém a morte vai ativamente atrás dessas pessoas.

    • Um desses grupos ataca a fazenda de Jó, a mando do próprio diabo. Um grupo de pessoas assim vem para prender Jesus (Mt 26:47).
  • Devemos desviar a fúria, evitar as discussões e desviar das brigas usando palavras brandas, sabendo que antes que as coisas piorem, devemos parar logo quando começam os sinais, como uma pequena rachadura que prenuncia a barragem pronta a explodir e trazer morte e destruição.
  • Até mesmo brincadeiras estúpidas tipo 'pegadinhas', trotes e afins devem ser evitados, pois é brincar com o perigo e com o sentimento do seu próximo.
  • Devemos evitar andar com essas pessoas violentas, agressivas, grosseiras, para que não acabemos nos tornando como elas. Pois quando o sábio se permite ser violento, acaba se tornando idiota. Não devemos repetir as atitudes do violento.
  • Devemos entregar nossa causa ao Senhor, entregando a Ele a justiça, a vingança, sem se aborrecer, sem ficar com raiva ou furioso, mesmo em face de soberanos cruéis, violentos, opressores dos pobres. Aqueles que são fiéis a Deus, são generosos e buscam o bem, por isso não serão desamparados.


Nem só de proibições (não faça), mas também de obrigações (faça)

Ao mesmo tempo que somos chamados a desviar da violência, somos chamados para ativamente proteger o vulnerável, e salvá-lo das mãos do violento, da humilhação ou da opressão (Sl 24:11-12), sem poder fingir que eles não existem, e de que "não é problema nosso". Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus.

Aqui somos claramente chamados a salvarmos o vulnerável da agressão iminente, da humilhação em andamento, da morte certa dos violentos. Mas salvar o fraco não é agredir ativamente o violento. É conter a ação para livrar quem está sendo oprimido.
Existe uma diferença sólida entre conter uma pessoa violenta e ataca-la violentamente.

Somos chamados a uma defesa, para podermos escapar e sair da situação de violência, não para aumentar a situação de violência. Esse salvamento pode inclusive ser não-físico, como pagar a dívida daquele que seria morto, ou negociar com os recursos que Deus nos deu, para dissuadir o agressor, para desviar do violento.

Em nenhum momento somos convocados pela Palavra a batermos de frente com o violento, a imitar suas táticas e seus grupos. Devemos pacificar, desviar e até mesmo suportar. Fazer resistência é diferente de atacar. Não existe agressão preventiva no Reino de Deus, ou para seus cidadãos.

Mas e o Jesus violento ?


Principal cartaz dos dois lados políticos, vamos falar do "Jesus violento". Libertário, revolucionário.
Aquele que entrou no templo, e fazendo um chicote de cordas, atacou os cambistas, vendedores e animais de dentro do templo. Um momento que nos dá autorização de usar de violência, ignorando toda a compilação acima, se for "em prol de um bem maior, de uma causa justa". Será?

Para ter uma ideia ampla e mais completa do texto, precisamos antes olhar para outros trechos da bíblia e ver como Jesus lidou com a violência e com os poderes seculares em vigor - e não era qualquer um, era o Império Romano!



De Pedro e de louco...


Jesus na noite em que foi preso, é recebido com um bando armado, enviados pelo chefe da sinagoga (Mt 26:47). Os discípulos vem para reagir com igual violência (v. 50 e 51), e Pedro chega a cortar a orelha de um deles, mas Jesus repudia a atitude, pois 
Guarde a espada! Os que vivem pela espada [ou a empunham], morrerão pela espada. Ou você acha que eu não posso pedir ao meu Pai que me mande doze legiões de anjos imediatamente?E curou a orelha de Malco. (Mt 26:51, 52,53)
Há aqueles que dizem que essa atitude de repudiar uma resposta violenta é uma exceção, já que ele precisava passar pelo suplício, pela cruz, como é dito no verso seguinte (Mt 26:54). Como "se essa exceção fosse permitida apenas por fazer parte da Obra Salvífica, senão seria lícito eles revidarem".

Mas não é uma leitura correta. Há dois motivos pelos quais Jesus age como retratado nos momentos da prisão com Judas, e não é apenas para se permitir ir para a cruz.

1) Jesus não ratifica, não chancela os frutos da violência cometida. Ele se aproxima e restaura, cura, o que seus próprios discípulos haviam semeado com agressão.

2) ele manteve a sua atitude não-violenta pois precisava dar o exemplo para os discípulos ali e nós os discípulos que viriam. "Quando foi insultado, não respondeu com insultos. Quando foi agredido, não ameaçou, mas pôs sua esperança em Deus" (1 Pe 2:18-23, ênfase no 21-23). O próprio Jesus nos disse que seríamos afligidos por sermos seus discípulos, que haveria perseguições e violência contra nós. Portanto ele precisava mostrar em si mesmo como reagir a isso.

Portanto, Jesus não "deixou barato" porque precisava ser levado para a Cruz, mas também porque precisava mostrar como devemos reagir. 

E que mesmo aqueles que andavam ao seu lado estavam sujeitos a sua natureza violenta e deveriam se conter. Ninguém teve melhor professor do que Pedro.

A matemática que reflete a essência

Em Mt 5 no famoso Sermão da Montanha, Jesus traz algumas lições a mais para nossa lista:

Não basta não matar fisicamente. Aquele que odeia o seu irmão, que nutre raiva é culpado - tanto quanto alguém que não trai fisicamente é adúltero ao olhar com desejo para outra pessoa. Enquanto as consequências são menores (os dois atos não foram consumados), o pecado é o mesmo perante Deus.

Não devemos retribuir olho por olho, na mesma medida e com as mesmas ferramentas (v. 38).

Dê mais do que lhe pediram, seja por necessidade ou por extorsão (v.39, 40, 42). Mesmo que um soldado estrangeiro te force a algo, faça além, faça melhor espontaneamente. 
Surpreenda até mesmo seu opressor (v. 41).

A aritmética do homem é olho por olho. É cumprir 1 quilometro se foi mandado marchar 1 quilometro. É dar pagamentos positivos a quem depositou coisas positivas. Essa matemática apenas reflete o que o homem é, e sabemos que nem o que foi combinado os homens costumam cumprir entre si.

Mas Jesus nos ordena a usar a matemática "trouxa" da Graça, dando a quem não semeou, retribuindo o que não foi oferecido. Pois isso vai refletir algo além do homem, vai refletir quem o Pai é - pois não é natural do homem, vai gerar estranheza a quem vê, e essa estranheza desperta a curiosidade. E porque foi isso que nos foi feito pelo Pai por nós. Essa matemática furada vai se conectar com a parábola do cobrador impiedoso (Mt 18:21-35), como um exemplo negativo daquele que quer cobrar agressivamente R$ 1 ao ter sido perdoado de R$ 1000.
Ao mesmo tempo temos um exemplo positivo em Lc 16:1-13, a parábola do administrador infiel, que vendo que não passaria no crivo contábil, que não sobreviveria ao "olho por olho" junto ao seu patrão, tratou de agir com perdão e graça com os devedores.


"O reino de Deus é conquistado à força"

Uma outra passagem é usada para defender que a implantação do Reino deve ser feita aceitando a imposição e força:

Mt 11:12 - Desde os dias de João Batista até agora [Jesus falando] o Reino de Deus é tomado à força, e os que usam de força se apoderam dele.

Existem várias interpretações quanto aos elementos destacados em azul acima, no original em grego do NT. Porém nas 4 possibilidades de interpretação, não há espaço para violência, e sim que conforme o Reino avança, o mundo é quem oferece resistência violenta. Não a igreja, o mundo! 

Para não estender muito, para quem quiser uma análise mais técnica desse trecho, deixo um link que acho bem ilustrativo: 





Limpando o templo


E chegamos finalmente ao trecho mais polêmico. Primeiro vamos olhar o trecho isoladamente. Depois vamos olhar ao entorno, no que veio antes e depois na bíblia.

O trecho de Jesus fazendo essa limpeza no templo (em inglês é referido literalmente como "Jesus on temple cleansing") está nos 4 evangelhos: Jo 2:13-22; Mt 21:12-17, Mc 11:15-19, Lc 19:45-48. Apresento um condensado dessas passagens abaixo. Algumas falas de Jesus só aparecem em um autor e não em outro.


Um pouco antes da Páscoa judaica, Jesus vai ao templo em Jerusalém. No pátio do templo havia vendedores de bois, ovelhas, cabras, pombas, e os cambistas, que trocavam moedas de outros reinos (por causa dos estrangeiros que vinham para a Páscoa). Isso era previsto na lei de Moisés, para ajudar quem vinha de longe a não ter suas ofertas vivas prejudicadas (bois, dízimo da colheita de vegetais, que secariam), conforme Dt 14:24-26.
Fez um chicote de cordas e expulsou as pessoas dali, os que vendiam e os que compravam, e todos os animais como ovelhas, bois, etc. [Esse trecho pode ser traduzido também como "expulsou todos os animais, tanto ovelhas como bois"]
Virou as mesas derrubando as moedas pelo chão, e disse aos que vendiam pombas- Tirem tudo isso daqui - e derrubou as cadeiras dos vendedores de pombas [aqui uma nota: os bois e ovelhas expulsos poderiam, assim como as moedas, serem facilmente ajuntados pelos donos depois de enxotados. As pombas não, pois voariam. Jesus respeitou a propriedade alheia, apenas "deslocou" todos eles de lugar].
Então Jesus bradou:-Parem de fazer da casa de meu Pai um mercado!-A minha casa será chamada Casa de Oração! Mas vocês a transformaram em um esconderijo de ladrões!
Os líderes judeus foram tirar satisfação: Com que autoridade você fez isso? [aqui suponho que com certa ameaça física, para justificar a resposta de Jesus na sequência, falando de seu corpo, sua integridade física].
E Jesus responde: -Destruam esse templo, e eu o reconstruirei em 3 dias!
Depois disso os sacerdotes começaram a tramar um jeito de matar Jesus, longe dos olhos do povo, que o admirava.

Algumas considerações importantes: 

A compra e venda de animais era lícita, pela lei de Moisés, para aqueles que moravam longe. Se você era seguidor do judaísmo mas não morava em Jerusalém, ao menos 1x por ano deveria ir até lá dar o dízimo do que Deus te deu. Mas ao viajar com bois, carroças com alimentos e afins, o produto se estraga (e não seria aceito pela Lei) e há risco de roubo. Ou o animal (bois e ovelhas) poderia se machucar no trajeto e Deus não aceitaria pela Lei um animal defeituoso ou machucado. Portanto a Lei permitia vender essas ofertas de animais e colheitas na sua cidade, e levar o dinheiro para o templo em Jerusalém, para comprar lá o que precisa ser ofertado (Dt 14:21-29).

Para que Jesus estivesse tão bravo com algo que a Lei permitia, era porque não estava acontecendo com boa intenção, seja da parte dos vendedores (extorquindo com preços altos, ou com câmbios exagerados), seja dos compradores (que poderiam ser da região mesmo e por falta de zelo, de piedade ao longo do ano todo, deixavam para comprar a oferta na última hora, pra cumprir tabela, cumprir a obrigação, e não como culto). Ou ainda - e essa é minha impressão - de que isso era um sintoma de um desvio mais profundo que estava instalado no Templo e nos poderes religiosos vigentes.

O uso de chicote só aparece em 1 dos 4 evangelhos (João). Uma atitude tão "disruptiva" de Jesus, depois do sermão do monte, seria no mínimo marcante para aparecer na maioria dos registros sinópticos. E esse trecho, segundo nota de rodapé da SBB (Sociedade Bíblica do Brasil) pode ser traduzida colocando como alvo do chicote as ovelhas e os bois. Isso faz bastante sentido, pois é comum vermos os peões usando de instrumentos como esse pra tocar o gado ou o rebanho, com o reio ou um galho grande. 


Precisamos atentar aqui que todo o processo se dá no contexto religioso, e não no secular. Jesus está atuando aqui como um profeta - que no sentido correto da palavra, é aquele que denuncia o erro dos reis (quando Israel era um reino), dos sacerdotes e dos irmãos da fé, e não um 'adivinho'. E esse papel de profeta vai ser reforçado ao vermos os trechos ao redor desse evento.

Jesus como profeta contra Jerusalém

Não é à toa que Jesus brada a expressão destacada em vermelho abaixo. E não é à toa que os líderes religiosos ficam bravos pois reconhecem a origem dela:

Mas vocês a transformaram em um esconderijo de ladrões.

Essa passagem ecoa muitos séculos antes na boca do profeta Jeremias (Jr 7:11).
Nessa época, o sistema religioso do templo estava passando por profunda corrupção e hipocrisia. Os ricos oprimiam os pobres (Jr 5:26-29) e também os pobres oprimiam seus semelhantes (Jr 6:13). Todos eram ocupados em enganar, adulterar e idolatrar entidades pagãs (Jr 9:1-9).

Os sacerdotes distorciam a Lei - resgatada no tempo do Rei Josias - e dentro do próprio templo adulteravam, roubavam, pregavam apenas boas notícias e faziam vista grossa ao pecado do povo. Perseguiam aqueles que Deus mandava denunciar a verdade. Alteravam e escreviam leis religiosas distorcidas (Jr 8:8) e usavam isso para dominar o povo, "e o povo gostava disso" (Jr 5:31)

Olha só que interessante uma das denúncias de Deus a Jeremias:
Vou castigar Jerusalém pois ela está cheia de violência. Como de um poço sai água, dessa cidade brota pecado. Só falam nas ruas da cidade, de violência e destruição. Só vejo doenças e ferimentos. (Jr 6:6-7)
A situação da época de Jeremias fica como:
  1. Deus estava furioso com a sujeira e impiedade no sacerdócio e do povo judeu
  2. Jeremias como profeta denuncia o pecado entranhado, a iniquidade dos religiosos, e clama que a casa de Deus virou covil de salteadores.
  3. Deus lamenta como queria reunir seu povo perto de si, mas seu povo é como figueiras sem figos, secas (Jr 8:13).
  4. Deus rejeita os sacrifícios feitos e os cultos prestados (Jr 11:15)
  5. A classe religiosa podre planeja violência contra Jeremias, como um cordeiro sendo levado ao matadouro (Jr 11:18,19)
  6. Deus levanta um reino poderoso estrangeiro (Jr 5:15-17), que domina e destrói o templo em Jerusalém, trazendo terror, valas coletivas queimando fora da cidade (onde se queimava lixo, em Hinom) e desolação (Jr 7:32-34).
Será que já não vimos isso no Novo Testamento? 
  1. A classe religiosa estava enfurecendo a Deus (Mt 23:13-36)
  2. Jesus denuncia os fariseus, sacerdotes e afins, e profere a mesma frase
  3. Jesus chora por Jerusalém (Mt 23:37-39) e também uma figueira seca (Mc 11:12-14,20) representa o futuro próximo de Jerusalém.
  4. Jesus toca os bois e ovelhas (normalmente caros e oferecidos pelos ricos) como as pombas (geralmente ofertados pelos mais pobres), mostrando a rejeição daquela hipocrisia legalista
  5.  A nata religiosa procura um jeito de matar Jesus (Mc 11:18)
  6. O império romano entre 66 e 70 dC destruirá o templo (Lc 21:1-24) e assolará Jerusalém (Lc 19:41-44). Os corpos de milhares foram empilhados no mesmo Vale de Hinom citado em Jeremias, que Jesus chama de Geena (inferno) no NT.
Assim, Jesus estava trazendo juízo para o templo e a classe religiosa, em ressonância com o que seu Pai fez com Jeremias. E em ambos os casos, culmina com a destruição do templo, sem sobrar "pedra sobre pedra".

interessante que além de apontar para a rejeição das ofertas, a expulsão dos animais do templo ecoa a desolação de Jeremias numa Jerusalém esvaziada (Jr 9:10) e a fúria de Deus pela perversão do povo atingindo "pessoas, animais e plantas" (Jr 7:20).

Portanto, essa atitude enérgica de Jesus está bem localizada e definida no contexto profético, aplicada somente ao ambiente religioso vigente, e denunciando toda uma estrutura eclesiástica apodrecida, muito além dos cambistas porém incluindo-os. Mais do que pombas, os sacerdotes estavam comprando vidas humanas (a vida de Jesus foi negociada com Judas por 30 moedas, o preço de um escravo).

Basta olhar para as atitudes das classes que habitavam o templo no NT: os sacerdotes, sumo sacerdotes frente a João Batista, Jesus e depois com os discípulos, Pedro e João, Paulo, Estêvão, Filipe. Perseguição e atitudes violentas, e associação com o poder político, com medo de desagradar Herodes, Pilatos, e jogando esses poderes políticos contra Jesus e seus discípulos, incitando a prisão, tortura, surras e morte. 
Cegueira espiritual, ao não conseguir enxergar o Reino chegando com João Batista e Jesus. Isso também acontece em Jr 5:21; 6:10.

Olhe para o final do Evangelho de Mateus, capítulo 28, onde os sacerdotes compram o silêncio dos soldados romanos que vigiavam o túmulo de Jesus e viram o anjo, e pagam para que eles mintam sobre o ocorrido. Ainda por cima, se comprometem a dar falso testemunho, contrariando seus próprios 10 mandamentos, a fim de manter seu poder político-religioso intacto. Isso é um sintoma bem grave da podridão religiosa ali.
Se olharmos a atitude de Jesus ao longo dos evangelhos, seus sermões, e compararmos com a atitude dos sacerdotes do Templo contra Estêvão, que taparam os ouvidos e gritavam (para não ouvi-lo proclamar Jesus), enquanto avançavam violentamente contra ele, quem está manisfestando o Reino?
E apenas um profeta, ao mesmo tempo Filho do dono da Casa de oração, Rei e sacerdote, Jesus, tem autoridade para trazer juízo e aplicar a sentença. Jesus não chancela nenhuma atitude de confronto profético agressivo. Vide as recomendações de Paulo sobre aconselhar irmãos que estão em pecado, "se velhos, como se fossem seus pais, se mais novos, como a um filho".

A condenação estava acontecendo na casa do Pai de Jesus, e o pulso firme estava sendo usado pelo Rei para com o seus supostos súditos. 

Partindo do absurdo

Vamos partir da hipótese de que Jesus foi fisicamente violento com o pessoal do pátio do templo. Todo o explanado acima desmente isso, mas vamos tomar como verdade para pensarmos.

Um profeta que diz para fazer A o tempo todo, mas em uma passagem faz o contrário de A.
Onde já vimos isso? 
Um exemplo é Oseias, que proclamava a fidelidade do povo à Deus e a obediência à Lei, mas por ordem de Deus casou-se com uma prostituta e ainda teve filhos com ela. Eram consideradas impuras. A lei proibia a prostituição. Porém em nome do cumprimento de um ato profético, para denunciar a ira de Deus para com Israel que o estava desobedecendo e traindo com outros deuses pagãos, ele teve um "Excludente de ilicitude profética", saindo da regra pregada, em nome da aplicação da profecia de maneira palpável.

Poderíamos dizer que essa violência apenas é aplicável em extremos em que somos ameaçados de morte, ou em contextos de embate religioso - porém mesmo no contexto religioso, Jesus foge do embate físico - veja como ele se escondeu na multidão e saiu do templo em Jo 8:59, quando os religiosos queriam apedrejá-lo. Mas não fez o mesmo quando era a sua hora no Getsêmani. Em nenhum dos dois eventos, Jesus aceitou revidar com violência, e sim com fuga ou mansidão.

Portanto até mesmo o Excludente de ilicitude profética tem limitação da violência.


Concluindo o episódio no Templo

Quando comparamos toda a trajetória, exemplos práticos e sermões de Jesus nos evangelhos, e o episódio no Templo, fica evidente que não se trata de uma conduta ensinada por Jesus, parte da cultura do Reino de Deus. A ausência do chicote nos demais sinópticos, as possíveis traduções do grego e a interrupção profética dos sacrifícios de gratidão, pecado e paz, são justificativas sólidas para não atribuir violência na atitude de Jesus.

Mas com ou sem chicote nas pessoas, esse evento é muito alienígena ao resto dos evangelhos, e exige uma explicação maior. Em favor disso pesa o trecho que diz "irai-vos mas não pequeis, para não dar lugar ao diabo", e o fato de Jesus nunca ter cometido pecado. Logo, ele não pode ter tido um simples acesso de raiva revoltado pela exploração comercial e corrupção sacerdotal. A estranheza de Jo 2 exige um plano maior.

O incrível alinhamento com a estrutura profética de Jeremias é uma explicação que harmoniza essa estranheza, pois não permite a extensão do ato enérgico de Jesus (como profeta, juiz e executor) para seus discípulos, enquanto traz a condenação de Deus para o seu templo novamente.

Jesus é o que eu precisar

Muitas vezes somos levados a trazer Jesus para as nossas preferências, tentando inconscientemente encaixa-lo nos modelos de mundo que nos agradam. Mas como já falamos no post sobre cidadania cristã, nosso crivo primeiro não está em modelos políticos ou econômicos humanos, e sim no Reino.

A passagem da mulher samaritana no poço de Sicar permitiria aos mal intencionados de realçar que a salvação vem dos judeus. Junte isso a passagem da mulher siro-fenícia onde Jesus se recusa num primeiro momento a abençoa-la e você tem uma receita para permitir ações xenófobas ou nacionalistas, como "veja como a Bíblia permite elitismo de raça ou etnia". Mas isso só funciona se isolamos o resto de Jesus (p.ex. a parábola do bom-samaritano). Um texto fora de contexto, sempre esconde um pretexto.

 Portanto trazer a "limpeza do Templo" como justificativa teológica de atitudes violentas, ou qualquer violência reativa ou 'preventiva' é no mínimo, apressada, e pode instigar os cristãos a terem um comportamento diferente de Jesus e não como cidadãos do Reino.

 Também vemos Mt 10:34 Jesus dizendo que veio trazer espada e não paz - não significa que podemos participar de atos violentos "em nome do Reino". 

Mas sim que por sermos primeiramente cidadãos do Reino, todo nosso tecido social é ou pode vir a ser rompido por nosso compromisso primeiro com esse reino. Nossas relações familiares podem ser abaladas.
Lembre-se que em muitas culturas - como a judaica e a romana - a religião era parte central de muitas atividades sociais e relacionamentos públicos. Assumir o Reino e o evangelho era rasgar a si mesmo do tecido social, das festas, eventos, e até mesmo excluir a si mesmo da família. Por isso mesmo Jesus diz que "quem perdeu pais, mães, família por causa do evangelho, ganhará ainda em vida tudo isso multiplicado por 10" através da Igreja.

 O caminho de Emaús é um bom exemplo de como as pessoas mesmo andando com Jesus ainda buscavam suas agendas políticas.

 Eles esperavam que Jesus fosse o libertador, o novo Davi poderoso que livraria Jerusalém dos romanos opressores e exploradores. Andavam tristes sem esperança. Enquanto seu foco, sua mente, estava na aplicação política de Jesus, eles não o reconheciam mesmo estando do lado deles.

 Jesus foi reconhecido quando Sua palavra foi compartilhada, quando ele partiu o pão pacificamente e deu graças. É esse o efeito do Cristo de verdade nos nossos corações, que o faz queimar não pelo ódio e revolta, mas pelo partilhar, pela comunhão e pela gratidão a Deus.

 Assim sendo, não é compatível com o evangelho nenhum argumento que encaixe "violência em nome do Reino de Deus".

 Vi há pouco em páginas públicas, gente "de Deus" defendendo leis e ações violentas, na forma de "todo castigo é pouco pra bandido", trazendo trechos do Velho Testamento como autorizações. Meus queridos, eu fui chamado para ser discípulo de Jesus, não de Josué, não de Moisés, nem de quaisquer outras sombras imperfeitas antes de Jesus. 

O meu Senhor, o que compra minha dívida e me torna seu escravo salvo da morte eterna é Jesus de Nazaré, e a Ele devo obediência e imitação E este como vimos acima, não dá margem para violência em seu Reino.

Claro que isso significa que a Igreja historicamente tomou certas bandeiras e partidos, entrou em certas bolas divididas que não deveria, e a consequência é o que vimos em tantas guerras, cruzadas e perseguições. Há terríveis erros da Igreja como instituição tanto antes como depois da Reforma Protestante. Calvino e Lutero também tiveram atitudes no mínimo indigestas em alguns casos.

E não é possível usar a desculpa do "espírito da época" ou Zeitgeist, dizer que eram homens do seu tempo e por isso limitados. O conjunto de textos citados lá no começo é o mesmo há pelo menos 1600 anos desde o códex mais antigo preservado. Esse conjunto de recomendações de Paulo, Pedro, Tiago, e ensinos de Jesus, faz parte das bíblias católicas e protestantes. Muitos camponeses e plebeus não sabiam ler, conheciam apenas o que ouviam nos sermões e missas. Mas não há desculpa por ignorância aos líderes que tinham acesso aos textos.

Esses erros graves do passado não nos isentam de hoje sentar, ler, refletir de qual Reino somos, e mudar de vida, revitalizar e pacificar a igreja como instituição e sua interface com o mundo.


Lembrando que o outro é alvo do evangelho

Não temos como cidadãos do Reino, motivo para aplaudir bandido morto, gente executada por qualquer lado do conflito urbano.

Não podemos ser indiferentes à policiais corruptos, ou desproporcionalmente agressivos, deliberadamente violentos e covardes, como semanalmente vem à tona nos noticiários. Gente que extorque, que atira pelas costas, gente que cria milícias e poderes paralelos. 

Sabemos que os policiais se arriscam por nós nas ruas, e a maioria competente e boa recebe a má fama dos poucos maus, que saem na TV. Devemos orar pela PM sempre, pois eles tem famílias que esperam todo dia ansiosas pelo seu retorno inteiros. Assim como nós, a maioria deles não quer ir todo dia pra guerra, e prefere não ter de atirar nunca. Essa rotina é psicologicamente pesada para qualquer um, sem mencionar a infraestrutura muitas vezes precária em vários quartéis e delegacias, e a desigualdade bélica (o bandido muitas vezes tem uma arma ilegal mais destrutiva que a PM e capaz de furar suas proteções).

Poucos dão cartaz à face solidária da PM, que além da segurança, muitas vezes faz serviços que não teria obrigação - até mesmo partos, comprar comida ou um botijão de gás, ou servir de terapeuta em discussão de marido e mulher de madrugada.

Eles também têm famílias que sofrem e amam

Ações solidárias nas comunidades

Há décadas as mulheres tem espaço na PM

Muitos esquecem (ou fingem não lembrar) de que a existência da polícia torna possível que nós não precisemos usar de força diariamente para proteger nossos direitos e propriedade.
Tem muita pessoa bem de vida, todo paz e amor, desconstruído, que esquece que só pode ser Zen porque o condomínio tem vigilância particular 24h e as ruas tem policiamento do Estado. De certa forma - por mais ineficiências e defeitos que possua - a existência da polícia e da Justiça evita em muitos casos que eu e você tenhamos que andar armados, prontos a defender nossa propriedade e nosso bem-estar, e tenhamos de usar violência.

E após digerir toda essas passagens bíblicas, me parece justo trazer para discussão pautas como a desmilitarização das polícias, adoção de armas não-letais e formas de contenção de violência que neutralizem a ameaça, incapacitem temporariamente o indivíduo e ao mesmo tempo protejam a vida dos inocentes ao redor.  Programas que ajudem a PM atuar na causa raiz dentro das comunidades e bairros, e não apenas na ponta, no sintoma. E uma punição rigorosa e midiática dos PMs ruins.

O Brasil é o país onde a PM mais mata, mas também onde ela mais morre. Ações que possam levar a reduzir esses dois números é condizente com o Reino. Considerar que esse embate polícia x bandido é o tratamento do efeito e não da causa, e de que quem quer que morra no conflito, é um potencial filho de Deus e alvo do seu amor. Diferente de "passar a mão na cabeça de bandido", o evangelho nos pede para deixar a reação violenta longe da tratativa, ao mesmo tempo que nos pede prudência. Nem justiçamento, nem facilitação. Pregamos contra o pecado local e o pecado instalado nas relações.

Conclusão

A violência não é uma ferramenta válida na mão do cristão. Não é um recurso do Reino de Deus. Nossa maneira de lutar é outra, nossas armas são espirituais. Xingamento, ódio mútuo, conspirações, guerrilhas ou milícias, nada disso é da nossa nova cidadania. Isso inclui a violência digital, que não é menos danosa por ser virtual.

Nosso rabi, nosso Senhor, não deu espaço para sermos outra coisa senão como ele: manso, aberto mesmo aos que queriam seu mal. Esperto mas não malicioso.

Bandido bom é bandido contido, e se possível, convertido ao evangelho.
A polícia deve ser vista como amiga da sociedade e com honra. E toda maçã podre deve ser punida na forma da lei.

Somos chamados como embaixadores do Reino de Deus, e se somos Seus filhos, então como diz o sermão do monte, devemos ser pacificadores.

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Dois passaportes, um visto



O cristão como cidadão




A cidadania de uma pessoa quanto a um país, envolve os deveres e direitos que ela tem dentro da constituição desse país. O que os governantes podem esperar e o que devem oferecer a essa pessoa.
É possível devido a questões genealógicas, ou profissionais, que a pessoa possa requerer a cidadania de um país. Neste caso, ela passa também a ter um passaporte do país que abraçou. Em alguns casos, ela pode perder ou ter de abrir mão da cidadania antiga.

Aqueles que seguem a Cristo possuem uma cidadania própria e primeira - somos cidadãos de um Reino onde a lei de Deus é nossa constituição, nosso governante é o Senhor e ao sermos chamados por Jesus a uma nova vida, ganhamos nosso passaporte. A cada dia que passa, estamos mais próximos de passar pela imigração e ficar de vez nesse reino.
Um reino de paz, justiça e alegria no Espírito Santo, sem corrupção e sem carências. Só o tema 'Reino de Deus' já rende um outro post gigante pois é profundo e abrangente.

O conjunto daqueles chamados por Cristo para essa imigração definitiva, formam a igreja, sendo que sua face visível deva ser como Embaixadas desse Reino (igrejas visíveis). E nós, como diz Paulo, somos embaixadores de Cristo (2 Co 5:20), enviados pelo próprio Jesus (Jo 20:21) e tirados do reino das trevas para o seu (Col 1:13). Somos chamados a buscar e anunciar a vontade do nosso rei (Jo 5:30). Somos como forasteiros nessa existência (1 Pe 2:11), pois nosso reino não ligado a esse mundo, nossa pátria está nos Céus (Fp 3:20). Nossa esperança não está apenas no que vemos aqui nesta existência, senão seríamos muito infelizes (1 Co 15:19).


Uma prévia saborosa



Isso significa que devemos viver alienados, sem tocar ou interagir com nada? se possível em cavernas como eremitas? claro que não. A igreja não foi pensada para ficar escondida, mas para ser como uma cidade iluminada no meio de um deserto escuro. Ela foi pensada para ser um farol desse reino a que pertence, e para trazer ao mundo um gostinho de como é esse reino. A igreja não é o reino em si, mas permite que as pessoas provem uma versão "demonstração", uma versão antecipada, uma amostra dentro das limitações desta vida. Como uma "degustação", quando o atendente da sorveteria nos oferece uma pazinha com um pouco do sorvete maior para provarmos. Assim como visitar a casa de alguém que imigrou de seu país de origem significa experimentar um pedacinho dos costumes desse país.

Nós cristãos cremos que a realização plena do nosso Reino não acontecerá até a volta de Jesus. Até lá, a tendência natural do mundo é maldade e violência. O que podemos prover são alguns oásis temporários na existência sofrida do mundo, a fim de não apenas fazer o bem mas atrair para nosso Reino aqueles que estão cansados e perdidos.

Esses cristãos, cidadãos do reino de Deus, não vivem nas nuvens, eles vivem em sociedade junto de outras pessoas de outras cidadanias. Convivem com diferentes autoridades seculares, legislações e afins. Afinal, os cristãos também são cidadãos nascidos em alguma pátria secular. Temos dupla cidadania - uma do reino de Deus e uma secular, ou melhor, uma devido a onde nascemos, e outra devido a nascermos de novo.


O cidadão cristão num mundo diverso


Como é o cidadão cristão na interface, na interação com o governo local e cidadãos deste governo secular?

Eis um condensado dos trechos abaixo, agrupando orientações em comum deles:

1 Pe 2:11-17 e 1Pe 3:13-17. 1 Tm 2:1-3; Rm 13:1-14; 1 Co 11:32-33; Cl 4:5; Tt 3:1-15; Rm 12; 1 Ts 5:4-10; Gl 3:26-28 ; Tg 2:1-10; Fp 2:3-4

A conduta entre os outros deve ser boa, fazendo o bem, sem terem no que nos difamar, eles terão de reconhecer nossas boas ações e assim louvar a Deus.

Obedientes às autoridades humanas e ao chefe de Estado (na época o Imperador) e os governadores e ministros indicados por ele, e obedientes às leis do Estado, a fim de não serem castigados. E olhe que aqui o autor está vivendo sob o jugo do império romano, que com certeza não era amoroso.

aquele que tiver autoridade (e for cristão) que a use com zelo, com cuidado ao próximo.

Respeitando os chefes dos Poderes Políticos vigentes, reconhecendo que toda autoridade do país ocupa seu posto porque Deus o pôs lá, seja Nero ou Abraham Lincoln.

Não revoltando-se contra as autoridades. Elas estão lá cumprindo um propósito de Deus, um plano Dele, por mais absurdo que isso pareça às vezes.

Pagar corretamente os seus impostos exigidos pelo EstadoNão há uma ressalva bíblica se o governo for corrupto ou se a carga tributária for alta no país

Orando pelas autoridades do país, governantes e reis, pedindo que Deus as abençoe e ilumine, de forma a termos dias de paz e possamos nos dedicar a fé.

Esperando que estes ministros castiguem o que pratica o mal e elogiem o que faz o bem. Mas se assim não for, respeite mesmo assim e sofra por fazer o certo. Se tiver que sofrer, que seja por fazer o bem e recusar fazer o mal, e por nos mantermos fiéis como cristãos.  Orando por aqueles que nos perseguem, pedindo que Deus os abençoe e sem nos vingar nunca pois isso é direito exclusivo do Senhor Deus.

Que não sejamos castigados por sermos assassinos, ladrões, criminosos ou nos metermos na vida dos outros.

Vivendo como pessoas livres, sem usar essa liberdade para encobrir o mal, lembrando que somos escravos de Deus. Usando o tempo fazendo o bem e ajudando os outros.

Respeitando todas as pessoas, e buscando ser agradável com todos, sem prejudica-los. Sendo sábios com os que não creem, aproveitando bem o tempo com elas, com conversas agradáveis e de bom gosto. No que depender de nós, procurar viver em paz com todos.

Estando prontos para explicar nossa fé e nossas razões nela, sempre com educação e respeito, sendo pacíficos e calmos.

Prontos e pró-ativos no defender os oprimidos: o direito da viúva, do pobre, do coxo (inválido), do órfão e do estrangeiro. Antes de qualquer sindicato existir, antes de haver bastilhas a serem derrubadas ou Marx, Hegel, Engels ou Feuerbach viessem a existir, essa missão já era cláusula pétrea na Constituição do Reino de Deus. Não é uma invenção de nenhum espectro político.

Advoga também em favor do meio ambiente, uma responsabilidade desde Gênesis. Cuida dos animais (sem crueldade) cf Pv 12:10, mas vamos ver isso num outro post.

Vivem na luz, e não nas sombras, do dia e não da noite, longe de excessos, indecência ou brigas, pois as ações do cristão são lícitas, benéficas, e devem testemunhar sua fé.

Contrários a todo preconceito de raça, etnia, sexo, ou classe social, considerando sempre o outro não apenas como um igual, mas como superior a si mesmo.



A estranheza

Com um comportamento diferenciado é claro, gera-se uma estranheza. Uma vez que os cristãos valorizam coisas da maneira diferente, e evitam outras, é esperado que nem tudo que a maioria faz ou busque seja assim também pelo cristão. Ou que coisas aceitas pelo restante sejam denunciadas como negativas por eles. Ou coisas que os cristãos acham positivo, serem motivo de chacota, de perseguição.

Nesse ponto, a própria existência do cristão com seu comportamento 'diferente' já é um escândalo, uma denúncia constante de que há algo errado no mundo, que há alguém superior cobrando uma mudança de vida, e de que há uma outra realidade além daquela que se vê diariamente pela janela. Mesmo que ele seja mudo (ou calado). O cristão no meio do mundo caído é como o Espírito Santo habitando dentro de nosso corpo humano pecaminoso e violento: serve para aconselhar, consolar, alegrar, interceder, e escancarar o pecado, a justiça e o juízo vindouro.

Isso pode até mesmo gerar hostilidades, o que foi muito comum já nos primeiros anos da igreja primitiva, quando o cristianismo era uma novidade exótica. A igreja não persegue, ela é perseguida. Ela não hostiliza ou oprime, ela é alvo de opressão (1Ts 2:14)

Parece bem evidente que se a igreja não estiver incomodando e sendo perseguida, é porque não está incomodando e sendo relevante o suficiente.


A denúncia do errado e a recusa do pecado

O cidadão cristão não é alheio ao fato de que existem agentes públicos - sejam políticos ou não - que fazem o errado perante a lei (crimes) ou que ferem a nossa lei do Reino.

Neste caso, o que fazer?

Paulo passou por essas injustiças públicas por parte do governo romano pelo menos duas vezes narradas em Atos, sendo uma em Filipos e outra em Jerusalém. Nas duas vezes, Paulo usou aquilo que lhe era permitido: exigiu o cumprimento da lei romana, que impedia a aplicação de qualquer pena sem um julgamento completo (At 16:35-40, At 22:25-29).
Paulo defendeu sua causa perante os juízes em várias instâncias, sempre com respeito às autoridades presentes.

Mesmo durante as transferências de Paulo, sendo levado em viagem de uma instância a outra, ele jamais aproveitou das paradas do comboio para fugir dessa prisão temporária injusta. Podemos ver isso em Atos 28, na cidade de Malta (3 meses), depois em Roma por 2 anos (prisão domiciliar, esperando a audiência com o imperador). Para Paulo, não trazer mancha à imagem do evangelho e fazer a justiça ser anunciada até o fim era mais importante, pois comunicaria muito do caráter do Reino de Deus.

Paulo não buscou uma forma de retaliar os que o agrediram, acusaram injustamente e chegaram a deixá-lo desacordado de tanto apanhar. Ele foi atrás da lei vigente. 

E o império romano não era um exemplo de justiça e bondade. Havia abusos constantes de autoridade, decisões abusivas contra não-cidadãos e escravos, etc. Veja por exemplo a ordem de Herodes de matar todas as crianças de até 2 anos na região de Belém, quando Jesus nasceu. A ordem de Pilatos de matar vários galileus quando ofereciam sacrifícios a Deus (Lc 13.1).

Jesus também não deixou de denunciar e criticar o mau comportamento das autoridades. Vemos ele referir-se a Herodes como "aquela raposa" (Lc 13.23). Todavia, vemos Jesus também reconhecendo a autoridade de Pilatos, uma vez que toda autoridade é permitida por Deus (Jo 19:9-12).

Como cidadãos do Reino, nossa única ressalva para não obedecer às autoridades e a lei secular é essa: caso essa ordem do governo ou lei seja contrária à Lei do Reino, ou seja, se ela exige que façamos coisas que não estejam em consonância com o que a Bíblia nos ensina.
Um exemplo disso é a clássica desobediência de Daniel e seus amigos hebreus, quando na Babilônia foram ordenados a adorar o rei como a um deus. Ou quando Pedro e os demais apóstolos se recusaram mais de uma vez a obedecer a ordem do Sumo Sacerdote de não pregarem mais o Evangelho (At 4:18-20 e At 5:26-30).

Portanto, vamos a alguns aplicativos dessa conversa:


Pequenas corrupções, grandes crimes



Sendo assim, o cidadão cristão não pode ser conivente com várias atitudes ilegais ou antiéticas do dia a dia, que ferem o direito do próximo e dessoam do que a Bíblia diz acima. Tenho minhas dúvidas se o famoso "cidadão de bem, pró-família e cristão" as cumpre:

  • Parar em vaga de idoso ou deficiente sem o precisar, ou em fila dupla
  • Ir para fila de idosos, gestantes ou outra preferencial, sem o ser, pois "tem pressa"
  • Estacionar do jeito que preferir, sem verificar se atrapalha os demais
  • Bater de leve o carro (famosa 'encostadinha') e sair sem se identificar e assumir
  • Apoiar a pirataria ou acesso ilegal de produtos - a lei secular não permite, e a lei de Deus não tem exceção tipo "obedeça exceto se for pobre"
  • Comprar decoder "cabrito" ou "gatonet" que pega 1500 canais indevidamente
  • saquear caminhões que tombam com produtos na estrada "porque tem seguro"
  • aceitar cargos e facilitações "questionáveis", troca de favores, propina, suborno ou esquemas de "rachadinha", caixa dois, aceitar remuneração "por fora" sem declarar
  • proteger ou fazer vista grossa a crimes e criminosos (corrupção passiva/ativa)
  • receber auxílios, doações ou estar inscrito em programas de ajuda do governo sem precisar ou porque "todo mundo está pegando"
  • sonegar impostos, colocar dependentes a mais na declaração, aceitar notas fiscais forjadas ou frias, pedir reembolso a mais nas despesas da empresa.
  • Ser conivente com ações que estejam humilhando pessoas, como atitudes racistas, bullying e discriminatórias, mesmo que seja com pessoas que praticam o mal, ou não estão alinhadas com os valores do Reino. Não tem cláusula de "exceto se forem gays, ou negros, ou imigrantes refugiados".
É claro que essa é uma lista de exemplos, não uma definitiva. Mas já dá pra ter uma ideia.

Alguém pode tentar justificar com "mas muitos só vão ter acesso a energia elétrica se fizerem 'gato', ou acesso a alimentos ou a internet se furtarem. O povo tem fome, há injustiça". Isso continua errado, pois é tanto um pecado do que pratica, quanto da igreja que tendo obrigação - antes do governo - de ajudar nessa tarefa, está sendo omissa!

Aliás a escravidão de negros traficados da África é um excelente exemplo de coisas que antes eram lícitas pela lei humana, mas condenadas pela lei do Reino. E hoje é condenado pelas duas leis. Mas e os sulistas americanos donos de escravos, que eram cristãos? ou os senhores de engenho brasileiros que eram piedosos católicos? eram maus cristãos, e isso pesa sobre suas cabeças. Esse é também um bom exemplo do porque o Reino de Deus não vai ser completado neste mundo. A igreja é cheia de gente falha como todos, mas não pode ser um lugar onde o erro permanece, e sim que é combatido para sermos cada vez mais parecidos com Cristo e alinhados com o Reino. Ainda assim, houve exceções de donos de escravos que os tratavam bem, ensinavam, educavam, e como homens livres antes mesmo da abolição da escravatura. Triste dizer que foi uma exceção.

Não se pode ter um cidadão cristão numa passeata da KKK falando de supremacia branca, nem em uma rodinha de bullying com nerds e gordinhos, ou agitando quaisquer bandeiras que tenham em seu "código de conduta" atitudes que contrariem essa nossa cidadania primeira que é do Reino de Deus. O Senhor é a nossa bandeira (Ex 17:15).

Veja depois o nosso artigo sobre "O cristão e as bandeiras alheias"

De semelhante modo, não podemos como cidadãos do Reino, apoiar medidas do governo ou políticos que não transmitam os valores do Reino. Temos de nos manifestar contrariamente, enviar mensagens que cheguem até esses governantes (p.ex. o email do político, ou na rede social dele), denunciando seus valores errados. Antes do apoio a um partido ou pessoa política, temos compromisso com o nosso próprio Rei.

E como cristãos, devemos apoiar aquelas medidas, leis e iniciativas públicas que tenham ressonância com os valores do Reino. Não importa qual o partido, se a medida ajuda a promover os valores do Reino, devemos dar suporte - claro, não de maneira irrestrita e cega, sempre capazes de analisar criticamente. Medidas que reduzam a pobreza, facilitem a punição de agentes públicos desonestos, tudo isso vem antes de preferências políticas ou ideológicas.

Assim como Paulo apelou a sua cidadania romana para valer a lei, devemos também nos esforçar ativamente para que outras pessoas tenham sua cidadania (garantida no Brasil pela constituição) garantida, afirmada, e se possível, que tenham nossa dupla cidadania, sendo cidadãos do reino também!