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terça-feira, 6 de abril de 2021

O Sal e o Antrax

O sal e o Antrax


Voces lembram em 2001, uma semana depois do atentado às Torres Gêmeas, quando houve uma onda de ataques por cartas contaminadas por anthrax? era um pozinho branco e fino, que ao ser inalado, causa uma grave infecção pulmonar (muitas vezes fatal) por uma bactéria forte. Essas cartas foram enviadas ao Congresso americano por terroristas.

Somos feitos de pó, e ao pó tornaremos. Somos feitos de pó, e Jesus pede aos cristãos, que emprestam Seu nome, para serem mais do que pó: Sal da Terra e luz do mundo. Sal é também fino e branco. Ele conserva os alimentos para que não pereçam tao rapidamente (vide a carne seca levada Brasil afora por tropeiros e sertanejos). Sal dá gosto.

Porém de maneira acentuada na pandemia de covid, tem muito crente que também é pó branco e fino, mas não é sal. Tem sido mais um antrax, expondo pessoas à doença ao invés de como o sal, conservar e proteger. Mas isso já era visível há anos.

Já era uma reclamação minha em 2015, quando fiz esse outro post: 

http://dropsdefe.blogspot.com/2015/03/a-igreja-os-doentes-e-o-amor-ao-proximo.html 



Muito antes da máscara e álcool gel

Muito antes da Covid, já havia muitas pessoas que iam para os cultos absolutamente "podres" de doente. Gente com dor de garganta, viroses fortíssimas, conjuntivite, todas doenças contagiosas. Cumprimentavam, beijavam, usavam os bebedouros, mexiam com as crianças e bebês, etc.

Abraçam, falam, compartilham partículas, encostam aqui e ali. Repartem comida ou bebida. Dão carona. Depois no meio da conversa dizem "nossa, essa semana eu passei um sufoco doente" ou pior ainda, "só por Deus que estou aqui hoje, porque estou caindo de doente".

Não muito depois, outras pessoas passavam mal e faltavam nos cultos por estarem com a mesma doença (ou iam assim mesmo, o que é pior). Pessoas cansadas pois passaram dias no pronto-socorro ou postinho de saúde, com o filho sem dormir ardendo em febre, sem respirar com a garganta fechada. Gente esgotada, sem dinheiro pra antibióticos, sem infraestrutura para dar a si mesmo (ou familiares) o devido cuidado. Gente sem carro para ir de madrugada pro PA. Sem convênio. Gente que faltou no trabalho, perdeu viagem, perdeu reuniões, perdeu prova na escola ou na faculdade. 
E quem passou a doença pra frente, não raro era gente que podia trabalhar de casa, gente que podia entrar mais tarde ou tirar uns dias, com todo conforto e com bom convênio.

Talvez você pense que isso não é um problema, já que sua comunidade de fé pode ser mais abastada, com membros mais endinheirados. Mas e as famílias que são afetadas indiretamente, por tabela? a faxineira, o porteiro, o Uber, a cabeleireira? eles têm família, mas não tem a mesma infraestrutura.

Muitas das pessoas que insistem em "ir à igreja" mesmo que chova canivete, mesmo que estejam moribundas, justificam que "é pra Deus". Que "faz X anos que eu nunca faltei nenhum domingo sequer". Justificam que é a maneira deles de demonstrar devoção, dedicação à Deus. É compreensível, mas não deixa de ser perigoso e enganoso. Será que essas pessoas que vão aos cultos a todo custo, 
  • ...continuam sendo uma réplica de Jesus na maneira de tratar os outros e evitar o mal durante a semana (ou mesmo domingo depois do culto)?
  • ...meditando diariamente na Bíblia e buscando mudar a si mesmos ?
  • ...estão atentas às necessidades dos irmãos e irmas da igreja, e atuando nisso?
  • ...ao saberem que alguém está com a mesma doença, telefonam, oferecem ajuda logística e financeira para que ela passe bem pela doença?
Do contrário, toda essa "devoção" está sendo um exercício individual e vazio de piedade (dedicação religiosa), sem continuidade na semana e desconectado dos demais. Esse exercício de piedade descontínua é o que Deus condena através do profeta Amós "estou cansado das suas cerimônias religiosas, suas celebrações me enojam, quero rios de justiça e misericórdia, não sacrifícios".

Todo esse discurso do "vou ao culto, custe o que custar" deixa de ser bom para o Reino de Deus, quando o custo é o bem-estar do outro, ou quando a minha liberdade e satisfação vem primeiro lugar.

Paulo diz aos filipenses, no capítulo 2 : 
não façam nada por interesse pessoal. Não busquem apenas o interesse de vocês mesmos, mas também dos outros. Pois o próprio Jesus, sendo Deus, tendo todo o poder [de fazer o que quisesse], escolheu esvaziar-se e assumir a postura de servo [buscando o interesse de salvar os outros]. Tenham em vocês uma só mente, um mesmo amor, vivendo em harmonia.
Ainda no Novo testamento, vemos em 1 Coríntios 10:23:

Alguns dizem "podemos fazer de tudo" , é verdade, mas nem tudo é bom. Outros dizem "fazemos o que queremos". Sim, mas nem tudo é útil. Ninguém deve buscar os seus próprios interesses e sim o do outro
Como podemos ler o trecho acima e achar que estamos cumprindo-o, se vamos ao culto doentes e expomos ao risco os nossos irmãos e irmãs? o que é mais importante, a sua sensação de "fui ao culto, sou um bom crente" ou o interesse em proteger os demais de ficarem doentes? de que adianta a sua "dedicação" se você vai submeter seus irmãos a no mínimo, gastarem com antibióticos, perderem noites de sono, passarem dias maus?

Depois não adianta dizer "gente, vamos orar por fulano". 

Talvez esteja na hora dos evangélicos começarem a esvaziar a si mesmos, como Jesus, e pensar no interesse do próximo, antes de pensar na sua auto-satisfação.

Outra evidência podemos ver na epístola de Tiago, capítulo 2, quando ele diz
Do que adianta a fé sem obras? pode haver no meio de vocês irmãos que precisam de roupa e não tem o que comer. Se vocês não lhes dão o que precisam para viver, não adianta dizer "cuidem-se, comam bem, se agasalhem!", não adianta dizer "Deus os abençoe". A fé sem obras é morta, e não poderá te salvar se estiver incompleta.

Ou seja, sua fé e sua devoção não podem ser vividos alienados do resto das pessoas. 

Não existe relacionamento com Deus apenas na vertical - você e Ele, sem levar em conta a horizontal - você e o próximo. Esse foi o erro do povo de Deus no Antigo Testamento: focaram em fazer os ritos, as liturgias no templo, mas fora dele exploravam, adulteravam, mentiam, brigavam, corrompiam. Não havia uma continuidade entre templo e vida fora dele.

Tudo isso e nem tinha chegado Dezembro de 2019.

Depois de 5 anos, pouco mudou

Então veio a Covid-19. Que agora é 21 (já que o 19 é por causa do ano 2019), com mais variantes, algumas mais contagiosas, outras mais agressivas.

Uma doença silenciosa, que demora vários dias a aparecer, dando tempo de contaminarmos sem saber, muitas outras pessoas, enquanto achamos que estamos super bem. E para piorar, temos os assintomáticos, que tem o vírus mas não desenvolvem a doença nunca. Apenas a espalham sem saber.

E quando atinge alguém, até o momento não sabemos como o organismo vai reagir. Se vai ser apenas uma "gripe forte" ou se vai deixar sequelas graves. E há várias sequelas graves, desde fibrose no pulmão (falta de ar), diminuição de disposição física, diminuição da concentração e capacidade de raciocínio, arritmia cardíaca, e até insuficiência renal. É uma loteria de possibilidades ruins.

Ou seja, de um lado não sabemos se estamos contaminados espalhando vírus, e do outro não sabemos como cada pessoa vai lidar fisicamente e financeiramente com a doença.

Com tanta incerteza, porque precisamos expor nosso semelhante ao risco, se até quem tem boas condições financeiras está sendo duramente (e fatalmente) afetado?

Porque precisamos ir à praia, ir no restaurante, no clube, fazer churrasco com amigos ou parentes, dar um rolêzinho, gente postando que "sabadou", "dominguinho né" ? - não raro, sem máscara, sem distanciamento, sem nada que ajude a conter o vírus.

Não estamos falando de quem precisa se expor - quem precisa usar trem, metrô, ônibus. Gente que não tem opção de trabalhar de casa, em home office. Gente que está na farmácia, padaria e supermercado para manter a vida urbana possível. Nao vale usar esse falso silogismo, de que "ônibus pode, mas praia não". A não ser que você ceda o seu veículo para algum trabalhador não precisar mais pegar ônibus, enquanto você faz home office, que tal? . Antes de usar esse argumento do "ônibus pode", pense de outro ângulo: essas pessoas infelizmente não tem outra opção a não ser se expor gravemente, sendo que a maioria sequer tem convenio. Mas fazem isso pra poder comprar comida, pagar conta de luz e ser seu porteiro, seu padeiro, sua manicure.

Estou abertamente criticando quem visivelmente sai quando pode ficar.

Porque todo feriado decretado para manter as pessoas em casa, é revertido em atividades que pioram os números de internação 10-15 dias depois?

A coisa é tao absurda que já existem perfis nas redes sociais para divulgar a falta de empatia e indiferença, com festas e aglomerações, por exemplo, o Brasil Fede Covid (do qual alguns prints abaixo foram tirados). Os vídeos originais você pode ver no fim do post aqui.



Nesta semana de páscoa de 2021, cidades do litoral de SP fecharam as entradas para conter contaminação por turistas. Pelo menos 80 casos positivos foram detectados na fila de 4h formada na estrada. Uma senhora de 58 anos fugiu da blitz e foi perseguida. Barreiras físicas foram derrubadas pela população turista. Os locais pedindo para não entrarem pois não havia mais leito nem kit de intubação.

E de acordo com o IBGE, 65% dessas pessoas são cristas (católicos, evangélicos, protestantes). De cada 20 pessoas dessas na praia, 13 em média são cristas.

Em nome de "saúde mental". Você teria saúde mental se soubesse que indiretamente contribuiu pra alguém morrer de covid, ou não poder mais exercer sua profissão por causa das sequelas?


O culto e a liminar do STF

Também recentemente há uma discussão jurídica no STF sobre permitir ou não cultos presenciais. E muitos líderes estão usando a liminar que permite voltar a ter templos abertos para voltar a ter cultos presenciais, sem que isso seja realmente necessário.

Não somos a turma que faz porque é permitido. Somos aqueles que escolhem não fazer, mesmo que a lei permita, porque sabemos que a nossa lei maior (do Reino) nos exige pensar antes no interesse e proteção do outro. Como o Sal.

Aliás, nós brasileiros sabemos bem que nem tudo que a lei permite é eticamente defensável, como privilégios e auxílios recebidos por deputados que já ganham muito bem.

Nenhum lugar é mais seguro do que em casa. Máscaras, higiene, temperatura, tudo isso deve ser visto como último recurso pra quando precisarmos nos expor. Mesmo porque elas não são garantia absoluta, embora reduzam as chances drasticamente.

Somos abençoados com a tecnologia deste século, que permite assistirmos ao vivo ao culto. A interagir ao vivo por vídeo, ou por voz. A orar e receber oração ao vivo, esteja onde estiver. O Espírito Santo não consome banda nem pacote de dados!

É maravilhoso quando a comunhão pode ser física, mas a presença física nunca foi garantia de comunhão. É gostoso abracar, rir junto, chorar junto, ombro com ombro, mas isso nunca foi empecilho para a igreja historicamente. Paulo retrata sua alegria, sua raiva, sua tristeza e sua preocupação com diversas comunidades através de suas cartas.

Outra prova de que comunhão é uma atitude pessoal e não presencial : basta lembrar que em muitas igrejas, antes do covid, muita gente passava por problemas, precisava de ajuda, e mal sabíamos quem eram elas. Membros entravam, membros abandonavam a igreja, e nem notávamos. Comunhão é interesse. É ligar, mandar mensagem, se importar e demonstrar que se importa.

Não se engane. A experiência cristã não se dá na presença física, embora seja enriquecida por ela. Nós nos gabamos que oramos e pedimos oração pra gente que está longe. Cremos que o Espírito Santo atua mais rápido que qualquer internet. Fazemos "relógios de oracao e intercessão" com várias famílias separadas em suas casas. Oramos por missionários isolados do outro lado do mundo.

Paulo tinha um relacionamento intenso com várias igrejas e pupilos como Timóteo, embora na maior parte do tempo Paulo não os visse pessoalmente.

A própria existência de um Novo testamento na Bíblia é a prova de que mesmo a centenas de Km e levando semanas pra enviar e receber notícias, a igreja é capaz de ser igreja comprometida na alegria presencial ou na distância interessada.
Orando. Recolhendo doações. Recomendando soltar escravos. Expondo somente quem precisa, como Epafrodito, que a igreja enviou para ajudar Paulo (Fp 2) quando estava preso, e acabou quase morrendo de doença.

Não é necessária um documento do STF ou governador ou prefeitura, pra que sejamos prudentes e cuidemos uns dos outros. Basta lermos o que nos foi legado por escrito.

Chamados a Obedecer civilmente

Inclusive na Bíblia a igreja é ordenada a respeitar, obedecer as leis e orar pelas autoridades da nação, quer gostemos da lei ou sejamos de esquerda, direita, centro, oposição. Obedecer as leis e decretos.

O único limite são leis que nos exijam fazer algo que é pecado, como leis que permitam pecar contra o próximo o (p.ex. racismo/xenofobia), a negar a nossa fé ou adorar a outro além de Deus (como um líder político, um ditador ou imperador). A escravidão era legalizada, tanto como o apartheid, mas nem por isso a Bíblia assim permite tai coisas.
Para mais sobre isso, veja esse outro post meu: Dois Passaportes, Um visto

Nesse ponto talvez os crentes de Atos tenham sido mais resistentes a adorar a César, do que alguns crentes que encontramos defendendo agressivamente figuras políticas e ideologias A ou B, custe o que custar.

Já vi infelizmente pastores formadores de opinião proclamando que devíamos "rasgar a constituição" já que o Supremo Tribunal Federal voltou a proibir os cultos. Esses pastores deviam é doar (e não rasgar) suas bíblias, pois evidentemente não a leram com zelo.

Pregam abertamente desobediência civil, a anarquia, quando o livro-base da nossa fé diz que devemos orar pelas autoridades, abençoar os que nos perseguem (quando perseguem), e obedecer as leis dos homens até o limite onde fere a lei de Deus.

Pastores que levam a desobedecer a Deus não são exatamente bons pastores.


Mas e a eclesiologia?

Li também que "líderes cristãos que defendem o lockdown evidenciam sua eclesiologia falha" - ou seja, de que não entendem a dinâmica espiritual do culto coletivo, pois "neste momento (de culto presencial), não é apenas cantoria e meditação, é um momento onde Jesus se faz presente".

De fato, nós não cultuamos alguém que está longe no Céu, e sim um Jesus que prometeu se fazer presente no local quando nos reunirmos em nome Dele. Mas não existe apenas uma forma de se reunir em nome Dele, existe? ou então estamos dizendo que Aquele que apareceu ressurreto, que venceu a última limitação da vida física - a morte - se torna incapaz de se fazer presente nos lares quando assistimos e cultuamos online?

A afirmação beira o absurdo quando pensamos que, antes do covid, muitas igrejas faziam seus cultos domingo das 19h às 21h simultaneamente. Mas Jesus estava presente em todas ou alternava entre cada uma?

E quando você não pertence a uma família convertida, e tem que prestar culto escondido no seu quarto, sem cantar alto, orando de madrugada, aflito(a), Jesus não se faz presente nesse pequeno culto no quarto ? "Puxa, sinto muito minha filha, eu podia ajudar mas você não atingiu a cota de 2 ou 3, para poder me invocar".

Não é mais honesto reconhecer que Jesus deixou explícito que:
  • onde estivessem 2 ou 3 reunidos em nome Dele, Ele estaria ali presente, seja no templo, seja na casa, na praia, Ele não citou local.
  • devemos ter intimidade com o Pai no nosso quarto, secretamente, e o Pai secretamente nos recompensará. Neste caso nem 2 ou 3 são, mas apenas 1 com sede de Deus

Uma família que assista o culto online já tem 2 ou 3 pessoas, então já conta.

Todas as outras relações comunitárias de uma igreja (e são importantes), como discipulado, solidariedade, ensino, todas podem ser mantidas de maneiras diferentes e seguras. Se não em 100% mas 95% das igrejas tem como faze-lo!

A igreja precisa ser sensível ao entorno dela. A igreja precisa ser parte da solução e não da complicação do problema.
Estamos dando um péssimo testemunho aos que não são cristãos. Tem gente nao-cristã que está limitando a si mesmo para ajudar a passar pela pandemia. Mas olha no noticiário e vê bandeiras "evangélicas" bradando por cultos presenciais. E esses gentios, não cristãos, se perguntam e nos perguntam: "Vocês não se sensibilizam com isso? não tem compaixão com os outros seres humanos? é isso que vocês pregam?"

Não existe eclesiologia sem que ela leve em conta que a igreja está inserida no meio do Mundo, em gente que vai estar de olho. Atenta ao testemunho, aos valores, e também à hipocrisia.

E a nossa fé não é no culto e no templo, é no Jesus ressurreto. Pode ser no templo. Pode ser presencialmente. Mas não precisa ser, especialmente se isso prejudicar o meu irmão/irmã.

Nos primeiros 3 séculos de cristianismo, sequer tínhamos templos cristãos. Os cristãos eram chamados de "ateus" pelos romanos, pois para eles todo culto tinha um templo do deus adorado. Os romandos tinham vários deuses. Os egípcios e outras etnias tinham outros deuses e somente no templo podiam fazer suas obrigações religiosas. Mas os cristãos não. Nao tinham imagens, estátuas, templos. Eram um escândalo para Roma!

Mas o evangélico atual importou do antigo testamento, tudo aquilo que o próprio Deus deixou para trás no Novo Testamento. Altar, sacrifício, templo, vestes especiais, tocar o shofar (tipo um berrante sertanejo, mas judeu). Quando o dono do nome "cristão", o Cristo Jesus, disse para a mulher no poco de Sicar, "nem aqui no monte Gerizim, nem no monte Moriá em Jerusalém, agora os adoradores verdadeiros vão adorar em espírito e de verdade".

Ah, e tem o argumento "mas o culto é pra Deus, é fazer a Obra, Deus vai proteger, Deus há de guardar".  Se expor ou expor os outros voluntariamente não é um ato de fé, é um determinismo cego de "se eu pegar covid é porque é da vontade de Deus. Se eu transmitir ou morrer é Dele o plano". Nao temos o direito de exigir quando o milagre vai ser feito ou não. Mas temos 100% de obrigação de colher aquilo que plantamos. Essa espiritualização alienada esquece que o Deus que abriu o Mar Vermelho é o mesmo que criou os ciclos naturais com sol, chuva, estacoes, e leis naturais como a gravidade.

Quem age imprudentemente, quem se expõe ao risco (ou expõe os demais) voluntariamente, está sendo como Satanás, pedindo a Jesus para se jogar do pináculo. "Deus há de guardar você com seus anjos, nada vai acontecer de mau". Essa frase não é minha, é do próprio Diabo, distorcendo uma verdade na forma de tentação. não cabia a Jesus decidir quando o livramento vai acontecer. Isso é tentar a Deus, é querer dizer a Ele quando agir com leis naturais e quando agir com milagres. E Jesus era Deus. Você não. Então, menos, ok?

Sim, é importante reforçar que não devemos deixar de confiar em Deus, não devemos nos permitir ter ataques de pânico, medo de existir, medo da morte, não nos permite murmurar dizendo que Deus nos esqueceu. Não ter alegria na vida, não ser grato pelo que tem em casa. Por estar vivo, ainda que por hora limitado. Pois ainda que morramos, viveremos eternamente. O viver é Cristo e o morrer é lucro, se estamos salvos Nele. Devemos ter espaço para o luto, para a tristeza, mas não para a murmuração e o pânico.

Mas nada disso nos dá o direito de expor o próximo, tentar a Deus expondo a nós mesmos, e saindo sem real necessidade (trabalho, compras, médico). Devemos aliar confiança com prudência - se realmente precisarmos sair de casa para trabalhar, comprar mantimentos ou remédios, ou ir ao médico, então que usemos máscaras, álcool gel, que possamos ir sozinhos e não com o carro cheio de gente. Ir e voltar o mais rápido possível, com o mínimo de proximidade com outros. Confiança de que fizemos a nossa parte, nos protegemos e protegemos os demais ao redor, e que se realmente vier alguma doença, será realmente algo que era pra acontecer nos planos de Deus, e não algo que Ele permitiu colher por nosso descaso.

Prudência não é falta de fé, é ter uma fé madura, de que Deus não é uma força que eu controlo, um algo místico que me blinda para eu perseguir meu prazer. É entender que o evangelista Lucas não deixou de ser médico ao se converter, nem Paulo deixou de recomendar a Timóteo que tomasse um pouco de vinho com água para seus problemas de estômago. Oramos, ungimos, e tomamos remédio. Pedimos proteção mas não nos expomos de propósito.


Liberdade acima de Tudo, até Dele

Bandeira Ancap

Tem muito cristão vociferando que estão atacando nossa liberdade, é assim que começa a ditadura. Gritam que liberdade é a única coisa que importa defender, pois sem ela estamos condenados à servidão do Estado. Eu mesmo já estive, antes da pandemia chegar, muito envolvido e adepto ao anarcocapitalismo - uma espécie de anarquia, sem Estado, sem governantes, em que prevalecem as relações de troca entre os indivíduos. Capitalismo sem qualquer restrição que não seja acordado antes por contratos. 

Liberdade acima de tudo, de todos, nada é mais sagrado. Mas hoje já não consigo sustentar a mesma filosofia, após ler a bíblia por completo (aos 35 anos de idade e 20 de igreja, não tinha feito isso, como a maioria também nunca fez).

Basta caminhar um pouco pela Bíblia para ver que a liberdade não é um valor absoluto e inegociável no Reino de Deus. Pelo menos, não é absoluta para os cristãos. E a nossa natureza pecaminosa nos torna predadores de nós mesmos e do próximo.

Se há algo que a lei dos homens e a Bíblia me permitem fazer (sem cometer nem crime, nem pecado), mas ao fazer eu entristeço ou afasto o meu próximo, então eu como cristão mais maduro na fé, devo evitar de fazer isso. Devo limitar a mim mesmo, por amor ao próximo. Devo deixar de gozar minha livre escolha nisso, em prol do próximo.

Isso fica claro em Romanos 14:15. Depois em 1 Coríntios 8:9-13. E em especial, em 1 Coríntios 10:23-33 (resumido):
Podemos fazer de tudo, agir como quisermos. Sim, mas nem tudo é útil, ou bom, ou conveniente. Nao devemos buscar apenas o que queremos, mas sim buscar o interesse do outro. Deixem de fazer tudo o que podem/querem, quando isso atrapalhar ou levar o outro a pecar.

Você podes podem perguntar "porque a minha liberdade deve ser diminuída pela consciência do outro?" - para não afastá-lo de conhecer a Deus, por estar escandalizado ou triste com sua atitude. Vivam de tal maneira que não prejudiquem os judeus, nem os não-judeus, nem a igreja de Deus 

Somado a isso, temos Romanos 12:18 : "no que depender de vocês, busquem viver em paz para com todas as pessoas".

Toda a experiência crista horizontal é baseada no movimento de sair de mim em direção ao próximo. Pensar nele, em buscar cativá-lo, atendê-lo nas suas necessidades, e estabelecer uma ponte de comunhão e intimidade. E evitar a todo custo, mesmo custando minha liberdade de ação, entristece-lo, afasta-lo ou fazer com que cometa pecado.

Porém a politização da pandemia reforçou a mistura bizarra de política e religião que temos visto. Há crentes que escolheram cegamente um lado do espectro político, e compram "o pacote completo", sem avaliar se tudo que vem dentro é coerente com o Reino de Deus.

E antes que você comemore o seu lado político, é evidente que o Reino de Deus não cabe nem na anarquia/revolução, nem na ditadura e opressão. Nem idolatria do Estado nem combate ao Estado.

Porém a politização tem levado sim a cristandade a negar o seu verdadeiro Reino, em prol de alinhamentos da bandeira A ou B, do movimento C ou D. E isso é péssimo para o testemunho do que realmente queremos publicar: o Reino.


Mas e a liberdade religiosa? Estamos sendo caçados politicamente!

Estamos mesmo?


Não, não estamos. Politicamente nunca tivemos tanta influência. Temos bancadas nas 2 casas legislativas em Brasília. Nunca fomos tao numerosos. Perseguidos são aqueles no Irã, na China (onde há vigilância severa em todo cristão) e em países em que é crime de fato ser cristão. Podemos sempre questionar se as tais bancadas realmente representam o interesse dos cristãos - uma limitação da democracia representativa. Eu acho que não. Em suas redes sociais, vemos muitas vezes comportamentos bem aquém do Senhor que dizem seguir. 

Nao somos impedidos de ter cultos transmitidos online. Nem de postar mensagens da nossa fé. Nem de usar camisetas com dizeres da bíblia, nem mesmo de ouvir música evangélica enquanto fazemos faxina.

É claro que a maneira de vermos o mundo, nossos limites e permissões nos colocam em choque com várias "tendências e verdades" da sociedade moderna. Sabemos desde a composição do Novo Testamento há quase 2000 anos que haveria perseguição. Que há de ser assim. Filhos vão delatar pais, e pais delatar os filhos às autoridades. Na época em que cristãos eram capturados simplesmente por serem cristãos, e jogados aos leões em espetáculos para centenas de romanos curtirem, isso não foi nenhum problema para a expansão da igreja. Pelo contrário. A repressão acelerou a adoção da fé cristã a ponto de em 313 dC o imperador ter de permitir, e depois querer controlar a enorme massa de cristãos.

E historicamente a partir daí, quando poder político se misturou com religioso, foi que tivemos mais problemas.
Assista ao excelente filme Quo Vadis, de 1953, com Debora Kerr, retratando essa época. E você não se emocionar, já morreu por dentro!

Mas e a economia?

Para os que já se foram, não há chance de reerguer-se economicamente. Não há chance de negociar boletos. Eles se foram. Além de deixar a família em luto, ainda não conseguirão mais saldar suas dívidas. Buscar doações.

A economia é como transformamos o nosso esforço em sustento. Mas mortos não transformam nem produzem nada além de saudade e dor nos que ficam.

Toda profissão é digna, do mais simples ao mais complexo cargo.

Mas para a igreja, para aqueles que se dizem Do Caminho, do Reino, essencial mesmo é ter empatia, como nos foi pedido por Aquele que podendo ser mais, decidiu ser menos por amor a nós. 
É hora de proteger aqueles que nos cercam, como o Sal da Terra. Nao de espalhar doença como o antrax.